Toda a narrativa será conduzida pelas personagens, sem a intervenção da diretora como uma narradora-personagem. A direção será esse olho e esse ouvido que acompanha o desafio das três personagens. O espectador acompanhará na pele das próprias personagens seus desafios, cansaços e motivações, sem o filtro de mais uma voz narradora.
A série vai trabalhar em dois planos, com as três personagens juntas, atuando como um “personagem coletivo” em seu desafio de percorrer o Caminho. Mas também individualmente, trazendo as inseguranças, as oscilações emocionais e também as pequenas conquistas de cada uma. Uma série documental, que é uma excelente referência nesse sentido, é “Cirque du Soleil: Fire Within”, de 2002, que acompanhou a preparação de oito performers do Cirque du Soleil, durante a criação e produção do espetáculo Varekai.
A bicicleta também enseja um outro olhar para o mundo, diferente daquele proporcionado por outros meios de transporte como carros, ônibus, trens e aviões, ou seja, veículos de velocidade mais rápida do que a capacidade humana. É possível lembrar aqui do que Hakim Bey disse em entrevista a Hans Ulrich Obrist: “Temos que admitir que isto está acontecendo, que o espaço vai perdendo o sentido quanto mais ele se acelera. Esta é a posição de Paul Virilio, que a velocidade retira o mundo do lugar, eu tenho que concordar com isso. É muito simples. Se você for do ponto A ao ponto B num avião, você não vê nada, não há espaço, nada. Não há existência cultural. Como se pode fazer uma viagem orgânica, digamos desse modo, numa velocidade que seja superior à do camelo? Não tenho certeza de que isso seja possível. Talvez possa ter havido uma situação estranha nos anos 1960 e 1970, quando uma parte do mundo ainda se deslocava na velocidade do camelo. Se você tivesse a oportunidade de ir a um desses lugares e ter uma experiência assim, aí então poderia viver esse tipo de tempo. Não sei se isso ainda existe, mas espero que sim. Considero essas coisas muito importantes, tão importantes quanto termos florestas tropicais e coisas do gênero. Deveria ter partes do mundo em que outros tipos de tempo pudessem ser experimentados”.
Nesse sentido, a bicicleta poderia ser vista de certa maneira análoga ao camelo, já que ainda permite a contemplação e, por que não dizer, apropriação do espaço, enquanto o ciclista se desloca. Essa apropriação do espaço é fundamental na maneira de viver e experienciar um deslocamento, seja ele numa cidade ou num espaço rural, pois permite a vivência cultural, a reflexão e o posicionamento frente a realidade observada.
Esse olhar contemplativo em relação à paisagem estará presente em Pedalar, seja nas imagens captadas pelas câmeras das próprias ciclistas, seja na câmera onisciente que acompanha a aventura.
Um aspecto fundamental de linguagem diz respeito a construção do roteiro e escolha de como as personagens serão apresentadas. Isso é importante para mostrar o quanto elas são pessoas “comuns”, no melhor sentido do termo, que tem uma vida profissional ativa e um dia-a-dia “normal” nos ambientes em que vivem. Isso é o que delimitará quem são essas pessoas que irão se preparar para fazer o caminho, e abrirá portas para o diálogo com um público que também tem uma vida normal, mas que gostaria eventualmente de participar de uma aventura ciclística.
A ideia de um “diário de bordo” das três personagens, com depoimentos com suas dificuldades e emoções, irão costurar a história, ao lado de imagens da pedalada em si. Nesse sentido, além de imagens de aventura, em movimento, com câmeras acopladas nas bicicletas que mostrarão a liberdade e leveza da peregrinação, nos depoimentos será dado um tom mais cinematográfico, com o uso de planos elaborados, com objetos e pessoas desfocadas, como molduras nas imagens, criando diferentes níveis para o olhar. A finalização também irá trabalhar estes movimentos de ação, ressaltando cores, desenhos em tela e letterings, com apuro estético necessário para ambientar e pontuar determinados momentos do documentário.
Duas boas referências de fotografia são os documentários: “Reveal the Path” (2012), do diretor Mike Dion, e “Ride the Divide” (2010), do diretor Hunter Weeks. Ambos acompanham ciclistas em longos percursos de bicicleta, em contato com comunidades de países diferentes. Os dois filmes exibem um “show” de imagens das paisagens nas trilhas e montanhas por onde os ciclistas peregrinos, mais conhecidos como bicigrinos, passam. Além disso, apresentam boas soluções para registrar alguns momentos de exaustão das pessoas que pedalam por vários quilômetros.
A fotografia utilizará câmera Full HD para o registro das personagens e suas cidades. Nos momentos em que as ciclistas estiverem pedalando será usado o registro feito pelas próprias personagens, através de câmera pequenas acopladas nos capacetes (como GoPro). Além disso, faremos imagens externas das três em ação, com câmeras Full HD e imagens de Drone acompanhando a jornada das personagens.
Já o som terá um tratamento realista na captação das entrevistas, com a utilização de trilha original que vai ajudar a pontuar a narrativa. Em alguns momentos contemplativos, quando as bicigrinas estiverem percorrendo o Caminho de Santiago podemos usar referências de músicas como: “La Bicyclette”, composta pelo francês Francis Lai (1968) (disponível para visualização: https://www.youtube.com/watch?v=iE0bHOQkNg8). Para pontuar fases de superação das personagens durante a jornada, trechos referenciais da música: “Kings and Queens”, interpretado por 30 Seconds To Mars (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hTMrlHHVx8A ).
O som ajudará a construir o cotidiano de cada cidade, através dos ruídos das ruas e lugares por onde as ciclistas estiverem. Os momentos de silêncio, tanto das personagens, quanto do ambiente, também serão valorizados, principalmente durante o Caminho de Santiago. Estes momentos serão utilizados para destacar, em voice over, pensamentos das bicigrinas durante a jornada.
A narração será em primeira pessoa, para mostrar as dificuldades e as percepções de cada personagem antes e durante a jornada. A preparação física. A saída de suas respectivas cidades, as dificuldades de embarcar as bicicletas, as autorizações necessárias, as diferenças de equipamentos para a aventura. O encontro das três. As primeiras conversas, o planejamento, as histórias, os pontos em comum, risos, tensões, receios, contemplações dos lugares explorados, diferenças culturais.. O início da jornada. Os encontros pelo caminho. As dificuldades. As superações. A vitória. As mudanças. O aprendizado.